sábado, 18 de abril de 2009

O Fim do Vestibular... THE END

Os equívocos por resolver

João Batista Araujo e Oliveira


A proposta para mudar o vestibular está na mesa. As discussões na imprensa revelam duas tendências. De um lado, os que sugerem abortar o debate, em nome da autonomia universitária. De outro, os que já celebram, por antecipação, o fim do vestibular, como se isso fosse possível.

Há dois aspectos a considerar. O primeiro deles se refere à unificação do vestibular: o aluno prestará um único exame, num único local, e esse exame servirá para concorrer a vagas em qualquer universidade federal ou, quem sabe, pública. Seja de forma compulsória ou por consenso, esse é o modelo predominante em todos os países desenvolvidos. Apesar dos pruridos relativos ao conceito de autonomia universitária, não deverá haver dificuldades intransponíveis nessa área. A experiência do exame unificado dos mestrados em economia já abriu a picada. Se só isso vingar da proposta apresentada, esse avanço na dimensão da equidade já terá sido um grande passo. Isso também significará maior competitividade para entrar nas melhores escolas, o que contribui para a qualidade.

O segundo aspecto é mais complexo: avaliar o impacto das mudanças no ensino médio. Ao contrário do que está explícito na maioria dos comentários surgidos - as propostas apresentadas em nada mudarão o ensino médio. Vejamos a razão. A proposta veiculada pelo Ministério da Educação (MEC) sugere quatro provas. Duas serão de Português e Matemática. Até aí, tudo bem. As outras duas provas são mais problemáticas, pois se baseiam no ambíguo Enem: uma prova de ciências naturais e outra de ciências humanas. Aqui mora o perigo. Se alguém ainda tiver dúvidas: se o Enem - que chegou até a substituir o vestibular em algumas escolas - não mudou o ensino médio, por que as duas novas provas, que nele se baseiam, mudariam algo?

O Enem repousa na ideia de que conteúdos não são relevantes. Relevante seriam "competências gerais" para resolver problemas. Nada de novo, trata-se de uma ideia velha e equivocada. Até o século 18, acreditava-se que quem sabia latim e grego estava preparado para o resto. No século 19, a crença era a de que aprender xadrez desenvolvia a inteligência. E no século 21 ainda há quem acredite nessas tais habilidades gerais de resolução de problemas, independentemente do conhecimento profundo das disciplinas. Em caso de dúvida, o leitor poderá consultar qualquer manual elementar de psicologia cognitiva ou de psicometria.

As pesquisas recentes da neurociência aplicada ao estudo da aprendizagem mostram que os especialistas - ao contrário dos aprendizes - são capazes de adquirir e articular novos conhecimentos com base em extensas redes de informações montadas ao longo de anos de estudo e da lida com um determinado conjunto de conhecimentos. Prova disso é que, em todos os países desenvolvidos, o fim do ensino médio e a entrada nas universidades se dá com base em exames voltados para disciplinas. A única exceção ocorre nos Estados Unidos. Mas, mesmo lá, onde se usa o SAT - um teste de competências linguísticas fortemente relacionado com o Q.I. -, este exame evoluiu e passou a oferecer, desde 2005, testes para avaliar competências nas disciplinas específicas. Nenhum país da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) usa aferições do tipo do Enem para avaliar competências no ensino médio nem para regular a entrada no ensino superior. Em matéria de educação, mais uma vez, estamos na contramão da história.

Para quem não gosta de discussões conceituais e teóricas, há outra forma mais fácil e objetiva de avaliar se a proposta do MEC provocará alteração no ensino médio. Basta pesquisar o que pensam e como agem os representantes de boas escolas e os bons professores de ensino médio, que preparam alunos para vestibulares competitivos. Eles irão confirmar que nada mudará, da mesma forma que o Enem nada mudou. A razão é simples: para solucionar problemas é preciso conhecer a disciplina na qual vamos resolver as questões.

O Brasil teria muito a ganhar se, em vez de plantar mais jabuticabeiras, copiasse e adaptasse o que há de melhor na experiência internacional. Há lições particularmente importantes a extrair dessa experiência.

Devemos manter o exame com foco em disciplinas, e não em conceitos etéreos como os do Enem. Para avaliar competências intelectuais correlacionadas com desempenho acadêmico, melhor seria aplicar o SAT - como faz o Chile. Para avaliar competências mais amplas, inclusive a capacidade de usar conhecimento científico de forma interdisciplinar, teríamos muito a aprender com os programas de ensino médio da Inglaterra.

Outra lição consiste em limitar o número de disciplinas obrigatórias para cada aluno - tipicamente se requer no máximo de 3 a 4 exames. O máximo são 7 exames (como no International Baccalauréat), mas, nestes casos, os alunos escolhem três disciplinas principais. Nas outras fazem o teste mais fácil. Esses são os critérios adotados pelos países mais avançados, e que alimentam as melhores universidades do mundo. E nesses países, com raras exceções, o aluno cursa entre 5 e 7 disciplinas no ensino médio.

Usar este tipo de normas tornaria o ensino médio acadêmico mais desafiante, estimulante e relevante para os alunos. As escolas poderiam oferecer várias disciplinas, mas os estudantes só teriam de cursar algumas delas, o que permitiria ter foco e profundidade. É fato que tais decisões só se aplicariam ao ensino médio acadêmico, voltado para o vestibular. E, principalmente, não resolveriam todas as questões do ensino médio, que ainda está à espera de reformas mais profundas. Mas já seria um passo muito importante.

João Batista Araujo e Oliveira é presidente do Instituto Alfa e Beto

MEC começa a pré-testar novo Enem

O Ministério da Educação (MEC) deu início à preparação das provas do novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que deverá substituir o vestibular em universidades federais. Até junho, terá início o chamado pré-teste de 1.500 questões, com a participação de estudantes da rede pública e privada de ensino médio e superior.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) quer aplicar provas diferentes para reduzir o risco de fraudes. O pré-teste, que já é realizado em outras avaliações como a Prova Brasil, serve justamente para medir a complexidade das questões e permitir a comparação de testes distintos.

— Provas diferentes aumentam a segurança — disse ontem o presidente do Inep, Reynaldo Fernandes.

O instituto já dispõe de um banco de dados com 3.500 questões para aplicação imediata. São perguntas formuladas para o atual Enem e o Enceja (exame para quem fez supletivos), entre outros exames. Elas poderão ser aproveitadas, mas o novo Enem exigirá perguntas mais difíceis.

O ministro Fernando Haddad anunciou a intenção de realizar o novo Enem em 3 e 4 de outubro. Ele evita, contudo, bater o martelo porque ainda negocia a adesão das universidades federais. Na sexta-feira, Haddad terá novo encontro com reitores.

— É uma atividade rotineira. Nós precisamos do banco (de questões), independentemente disso (a adesão das universidades) — minimizou o ministro.

Segundo Reynaldo Fernandes, o pré-teste será feito com alunos do 2.º ano do ensino médio e calouros em universidades.

(Matéria publicada hoje no jornal "O Globo")

Universitário custa 6 vezes mais que aluno da rede básica

O MEC divulgou hoje novos números sobre investimento público em educação no Brasil.

Em 2007, ano mais recente com dados disponíveis, o Brasil gastou 4,6% do PIB com ensino em todos os níveis.

Isso representa um acréscimo de 0,2 ponto percentual em relação a 2006, quando a educação ficou com 4,4% do PIB.

No mundo desenvolvido, o patamar é de 5%. Mas o Brasil precisa mais, disse o ministro Fernando Haddad. Pelo menos 6% do PIB.

Afinal, aqui a dívida é grande: baixa qualidade do ensino, alunos defasados, professores despreparados.

O cálculo considera os investimentos das prefeituras, dos governos estaduais e da União.

Um universitário custa 6,1 vezes mais do que um aluno da escola básica.

Em 2006, a diferença era maior: 6,7 vezes. Em 2000, maior ainda: 11,1.

Em valores absolutos, um universitário custava aos cofres públicos R$ 12.322, ante R$ 2.005 na rede básica.

No ensino médio, a despesa por aluno ficava em R$ 1.572 ao ano - ou R$ 131 por mês.

Pergunto: qual escola de ensino médio do país cobra R$ 131 de mensalidade?

E depois tem gente que diz que o país já gasta o bastante com educação.

Ao anunciar os dados, o ministro Fernando Haddad disse que a desproporção entre gastos no ensino superior e básico ainda precisa diminuir, mas já está próxima do padrão dos países desenvolvidos, onde gira em torno de 5,7 vezes pró-universitários.

- Estamos nos aproximando do padrão de financiamento do mundo desenvolvido - declarou Haddad.

Por ora, só o padrão de financiamento mesmo. Porque a diferença de gasto por aluno continua enorme. E o aprendizado, então, nem se fala.

Se o Plano de Desenvolvimento da Educação der certo, os alunos de 4.ª série do ensino fundamental atingirão em 2021 o nível que seus colegas do mundo desenvolvimento alcançaram em 2003.


Passo-a-passo da proposta de vestibular unificado do MEC

A proposta do MEC para o novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem):

- Data: 3 e 4 de outubro (sábado e domingo).

- Como será o exame: redação e quatro provas de múltipla escolha, com 50 questões cada: linguagens (língua portuguesa e estrangeira); matemática; ciências naturais; e ciências humanas.

- Divulgação de resultados: 4 de dezembro de 2009 (4 provas objetivas) e 8 de janeiro de 2010 (redação e nota final).

- O novo Enem, assim como o atual, poderá ser feito por estudantes do ensino médio e por quem já concluiu esse nível de ensino em anos anteriores.

As instituições de ensino poderão adotar o novo Enem de duas formas:

1) Uso da nota: não requer adesão das instituições

- Os resultados individuais no Enem contarão pontos no vestibular de cada instituição, podendo até mesmo substituí-lo, conforme regras no edital de cada universidade.

- Os candidatos deverão inscrever-se no novo Enem pela internet, como já ocorre atualmente, e nos vestibulares que desejar fazer.

2) Sistema de Seleção Unificada: requer adesão das instituições

- O novo Enem substituirá o vestibular, como fase única, para ingresso em todas as instituições que aderirem.

- Instituições que quiserem usar o novo Enem somente como primeira fase do vestibular não poderão aderir. Só serão permitidos, como segunda fase, exames específicos de aptidão, como em cursos de música e arquitetura.

- Instituições que desejarem realizar simultaneamente outras formas de seleção, como programas seriados em que os alunos fazem prova nos três anos do ensino médio, poderão reservar um percentual de vagas para o sistema alternativo e destinar o restante à seleção pelo novo Enem.

- Os candidados deverão inscrever-se no novo Enem pela internet.

- Após a divulgação dos resultados do novo Enem, os candidatos terão que se inscrever no Sistema de Seleção Unificada, também pela internet. Será necessário informar o CPF.

- Os candidatos farão cinco opções de curso (podem ser cinco cursos da mesma instituição ou um de cada universidade) e indicarão se desejam concorrer por sistema de ação afirmativa (cota, bônus), no caso de universidades que ofereçam essa possibilidade.

- Pela internet, o candidato poderá acompanhar o número de inscritos por curso, assim como a nota de todos. Desse modo, saberá qual a nota de corte para ingresso no respectivo curso.

- Ao constatar que não tem nota suficiente para ficar com a vaga, o candidato poderá inscrever-se em outro curso - da mesma ou de outra instituição. As trocas serão livres até o encerramento do período de inscrições, que deve durar cerca de duas semanas.

- Em caso de empate, ficará com a vaga: quem tiver nota mais alta na prova de linguagens, na de matemática e for mais velho.

- O sistema gerará uma lista de aprovados. Candidatos reprovados para ingresso no curso da primeira opção ficarão com a vaga da segunda opção, caso tenham nota para isso. Da mesma forma, candidatos reprovados para os cursos da primeira e segunda opção, ficarão com a vaga da terceira opção, desde que tenham nota para isso. E assim sucessivamente até a quinta opção.

- Os candidatos deverão matricular-se diretamente nas universidades.

- As vagas que sobrarem serão preenchidas em segunda chamada.

Fonte: Ministério da Educação.


Íntegra da entrevista com o ministro Fernando Haddad

Após sacudir o país com a proposta de substituir os vestibulares das universidades federais por um novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o ministro Fernando Haddad corre para concretizar a ideia este ano.

A ideia é aplicar a prova nos dias 3 e 4 de outubro, mas o alcance da medida dependerá do grau de adesão das instituições. Nas últimas semanas, Haddad reuniu-se diversas vezes com reitores, o que voltará a fazer nos próximos dias. Para ele, o vestibular é uma "anomalia brasileira" e o novo Enem ajudará a melhorar o currículo do ensino médio.

Lembrado no PT para disputar as eleições de 2010 — fala-se até no governo de São Paulo —, o ministro desconversa: "Não acho que nada em educação sirva de slogan para campanha, porque são processos muito lentos."

A seguir, a íntegra da entrevista concedida por Haddad a mim e ao jornalista Francisco Leali, coordenador da editoria de Nacional na sucursal do GLOBO em Brasília, na última sexta-feira:

GLOBO: O novo Enem vai ser aplicado este ano?
FERNANDO HADDAD:
O ministério está se preparando para aplicar o Enem nos dias 3 e 4 de outubro, já no novo formato. Estamos fazendo neste momento uma discussão com as universidades federais, não apenas do ponto de vista do formato do Enem, mas do seu cronograma de implantação. A decisão definitiva depende um pouco da reação dos reitores a esse segundo documento, que foi encaminhado esta semana, que estabelece normas operacionais de adesão e de utilização do Enem. Mas quero crer que a reação das instituições, até aqui, é favorável à mudança.

— Dá tempo de aplicar o novo Enem este ano e já adotar o novo sistema de seleção unificada?
HADDAD:
O novo Enem, este ano, dá tempo. Já temos um banco de itens que, com pequenos ajustes, pode servir de base para a elaboração da prova nos novos moldes. Como não foi feita a licitação ainda para a aplicação, bastaria um pequeno ajuste no edital, um reforço no orçamento, para que a prova fosse aplicada nos novos moldes.

— Quando o sr. lançou a proposta, disse que um dos grandes benefícios seria garantir mobilidade: um estudante do Acre poder estudar no Rio. Mas a estrutura das federais para receber alunos de fora é bastante sucateada. O MEC tem dinheiro para bancar a mobilidade?
HADDAD:
Nós recriamos a rubrica de assistência estudantil, que havia dez anos não existia mais. A rubrica de assistência estudantil foi recuperada, era uma das principais reivindicações da UNE. Este ano, conta com R$ 200 milhões no orçamento. E nós temos plena consciência de que esse novo formato de seleção exigirá, talvez, até dobrar a verba de assistência.

— Essa despesa não foi afetada pelos cortes orçamentários?
HADDAD:
Nem as que foram afetadas pelos cortes vão permanecer como estão. Há uma emenda ao orçamento que permite a recomposição das rubricas do MEC. Estamos inclusive com o aval do presidente para que a execução do Plano de Desenvolvimento da Educação siga o regime do PAC.

— Como fica o estudante que se preparou para fazer vestibular e agora vai ter um Enem pela frente?
HADDAD:
O que eu posso garantir é que o aluno que se preparou bem para o Enem, para o vestibular ou para os dois terá um excelente desempenho no novo formato. Não haverá nenhum tipo de prejuízo, isso é líquido e certo. Há inúmeros estudos que mostram que o desempenho dos estudantes é basicamente o mesmo em qualquer prova. A correlação de desempenho no Enem, no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e no vestibular chega a 0,8, 0,9, próxima a 1. É muito forte. O grande mérito dessa proposta é facilitar a vida do estudante e auxiliar a reorganizar o ensino médio.

— O que vai acontecer com os cursinhos pré-vestibulares?
HADDAD:
Hoje há muitos tipos de cursinhos pré-vestibulares. Já há cursinhos voltados para o atual Enem. Da mesma maneira que se criaram essas entidades voltadas para o Enem, o novo Enem ensejará esse tipo de movimento. Agora, quero crer que haverá um enfraquecimento desse tipo de proposta. O mundo não trabalha com o conceito de cursinho pré-vestibular. É uma anomalia brasileira em virtude de nós não termos alterado a tempo o formato atual de vestibular. Ele é próprio dessa anomalia. Com o novo formato, eu penso que alguns vão se adequar e haverá espaço ainda para isso, mas eu penso que o ensino médio é que será o grande beneficiado desse processo, porque vai poder se reestruturar de uma maneira muito mais adequada.

— Tem reitor com medo de que estudantes das capitais peguem as vagas do interior. Isso pode acontecer?
HADDAD:
O número de alunos do Ceará que estuda no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), por exemplo, já foi matéria de jornal várias vezes, como boa notícia. A experiência internacional saúda a mobilidade, porque todos ganham. Não creio que isso vá acontecer. Entendo que o principal beneficiário dessa medida é o aluno de baixa renda, que não tem condição de prestar mais de um vestibular, pagar taxa de inscrição e se deslocar pelo país. Porque os vestibulares não são feitos nacionalmente, como o Enem. Ainda assim, eu creio, pela experiência do ProUni, que a mobilidade não será muito grande, infelizmente. Nos Estados Unidos, em que as condições de mobilidade são ótimas, ela atingiu 20%. As condições de mobilidade lá são ótimas: todas as universidades têm condições de receber alunos que vêm de fora. Não só estão preparadas, como estimulam essa mobilidade, porque estão à espera dos melhores alunos do país e, algumas, do mundo. Aqui nós podemos esperar um número muito menor, a julgar pela experiência do ProUni. Mas ainda que eu considere legítima a preocupação de reitores, sobretudo de regiões que estão a exigir um plano de desenvolvimento local, há outras formas de atender a essa preocupação. Se verificarmos o PAS (Programa de Avaliação Seriada) da UnB (Universidade de Brasília), ele em geral contempla os alunos que podem se submeter a três exames durante o ensino médio, que são os alunos das escolas públicas (das privadas também) do Distrito Federal ou muito próximas.

— Os educadores sempre satanizaram o vestibular como um péssimo instrumento para selecionar os alunos que realmente sabem. Agora, os reitores das federais e os dirigentes das particulares parecem ter gostado da sua proposta. Por que ela nunca veio antes?
HADDAD:
São muitos fatores. Em primeiro lugar, o acúmulo de experiência do nosso instituto de pesquisas. O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mudou radicalmente. O Inep, só para citar um exemplo, este ano, independemente desta decisão, aplicará 10 milhões de exames no país: 5 milhões no âmbito da Prova Brasil; 3 milhões no Enem (número aplicado no ano passado); 1 milhão do Enceja (teste de certificação do ensino médio, na modalidade de jovens e adultos) e 1 milhão no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes). Não só do ponto de vista do banco de itens que precisou formar, mas sobretudo do ponto de vista da segurança logística desses produtos, O Inep é outro instituto. O Enem era aplicado a 300 mil alunos.

— Quem teve a ideia do novo Enem?
HADDAD:
A ideia vem sendo amadurecida ao longo dos últimos dois anos. Ela é óbvia, né? A partir do momento em que você tem os vestibulares tradicionais, o Enem, o Enade de ingressante e o Enceja, quatro provas voltadas praticamente para o mesmo pública, que é o concluinte do ensino médio, estava dada a solução de que essas provas poderiam ser combinadas numa única prova que servisse a muitos propósitos: de certificação de conclusão do ensino, de "baseline" para cálculo de valor agregado no ensino superior, de orientador da reestruturação curricular do ensino médio e de ingresso na educação superior.

— O sr. ousa dizer que 2010 será o ano do enterro do vestibular?
HADDAD:
Não posso prever o ritmo, até porque ele está me surpreendendo positivamente. Mas eu entendo que essa agenda veio para ficar. Se será 2010, 2009, eu não sei dizer hoje. Mas, pela reação positiva, pelo amadurecimento da proposta, pelo acúmulo desses anos, eu entendo que o Brasil vai dar finalmente um passo para o qual se preparou. Não estamos fazendo isso de maneira irresponsável. Uma proposta dessas quatro anos atrás talvez não fosse factível.

— Para quem fala que o sr. está na lista dos candidatos nas eleições de 2010, o sr. diria que o slogan "o homem que acabou com o vestibular" pode ser usado na campanha?
GLOBO:
Sinceramente, não acho que nada em educação sirva de slogan para campanha, porque são processos muito lentos, de uma geração. São resultados que se colhem com muita parcimônia, infelizmente. E em nenhum momento em pauto o meu dia por nenhuma consideração dessa ordem.

— É uma marca que vem para ficar...
HADDAD:
Penso que é mais uma das marcas do governo Lula. O governo Lula tem grandes realizações na área da educação. Eu poderia citar dezenas, algumas muito estruturantes. Basta pensar no Fundeb, na reforma do Sistema S, no Reuni, no ProUni, na Universidade Aberta, na expansão das escolas técnicas, nos institutos federais, no ensino fundamental de nove anos, na Prova Brasil, no Ideb. São marcas do governo Lula inseridas no âmbito de um plano que teve grande aceitação não apenas por governadores, prefeitos, reitores, mas a própria academia e a opinião pública.

— O sr. convidou também o setor privado a aderir ao novo Enem. Qual foi a receptividade?
HADDAD:
Não foi propriamente um convite. Foi quase uma satisfação, em virtude do fato de que algumas instituições de ensino superior sérias investem muito na formação do aluno durante o primeiro ano e se viam prejudicadas pelo fato de o Enade ser aplicado somente ao final do primeiro ano. Com este novo formato do Enem, vai ser possível medir todo o valor agregado durante a formação na graduação e não apenas do final do primeiro até o último ano. Essa proposta vem ao encontro de uma das críticas legítimas que era feita ao conceito de valor agregado. Eu entendo que o novo Enem vai ser muito bem assimilado pelas particulares em virtude desse aspecto específico, porque elas, em geral, estão muito preocupadas com a sua própria avaliação, que será beneficiada por esse procedimento.

Íntegra da nota do MEC sobre o novo vestibular

Segue a íntegra da nota técnica enviada pelo MEC aos reitores das universidades federais com a proposta de substituição do vestibular.

O texto é assinado pelo presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Reynaldo Fernandes.

"Proposta: unificação dos processos seletivos das Instituições Federais de Ensino Superior a partir da reestruturação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)

1. A razão da proposta: cenário atual

Os exames de seleção para ingresso no ensino superior no Brasil (os vestibulares) são um instrumento de estabelecimento de mérito, para definição daqueles que terão direito a um recurso não disponível para todos (uma vaga específica em determinado curso superior). O reconhecimento, por parte da sociedade, de que os vestibulares são necessários, honestos, justos, imparciais e que diferenciam estudantes que apresentam conhecimentos, saberes, competências e habilidades consideradas importantes é a fonte de sua legitimidade.

Parte-se aqui, portanto, do reconhecimento da necessidade, importância e legitimidade do vestibular. O que se quer discutir são os potenciais ganhos de um processo unificado de seleção, e a possibilidade concreta de que essa nova prova única acene para a reestruturação de currículos no ensino médio.

Ainda que o vestibular tradicional cumpra satisfatoriamente o papel de selecionar os melhores candidatos para cada um dos cursos, dentre os inscritos, ele traz implícitos inconvenientes. Um deles é a descentralização dos processos seletivos, que, por um lado, limita o pleito e favorece candidatos com maior poder aquisitivo, capazes de diversificar suas opções na disputa por uma das vagas oferecidas. Por outro lado, restringe a capacidade de recrutamento pelas IFES, desfavorecendo aquelas localizadas em centros menores.

Outra característica do vestibular tradicional, ainda que involuntária, é a maneira como ele acaba por orientar o currículo do ensino médio.

A alternativa à descentralização dos processos seria, então, a unificação da seleção às vagas das IFES por meio de uma única prova. A racionalização da disputa por essas vagas, de forma a democratizar a participação nos processos de seleção para vagas em diferentes regiões do país, é uma responsabilidade social tanto do Ministério da Educação quanto das instituições de ensino superior, em especial as IFES. Da mesma forma, a influência dos vestibulares tradicionais nos conteúdos ministrados no ensino médio também deve ser objeto de reflexão.

1.1 Democratização das oportunidades de concorrência às vagas federais de ensino superior

Exames descentralizados favorecem aqueles estudantes com mais condições de se deslocar pelo país, a fim de diversificar as oportunidades de acesso às vagas em instituições federais nas diferentes regiões. A centralização do processo seletivo nas IFES pode torná-lo mais isonômico em relação ao mérito dos participantes.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007 (Pnad/IBGE) mostram que, de todos os estudantes matriculados no primeiro ano do ensino superior, apenas 0,04% residem no estado onde estudam há menos de um ano. Isso significa que é muito baixa a mobilidade entre estudantes nas diferentes unidades da Federação. Ainda que o Brasil seja um país com altas taxas de migração interna, isso não se verifica na educação superior.

Para efeito de comparação, nos Estados Unidos aproximadamente 20% dos estudantes cruzam as fronteiras estaduais para ingressar nas instituições de sua escolha. As estatísticas do National Center for Education Statistics apontam que, em 1998, 19,2% dos estudantes ingressaram em colleges ou universidades americanas fora de seu estado de origem.

Reestruturar o Enem para utilizá-lo como prova unificada evidencia o papel que o exame já cumpre. Afinal, ao longo de onze edições, a procura pelo Enem subiu de 150 mil para mais de 4 milhões de inscritos, sendo que mais de 70% dos participantes afirmam que fazem a prova com o objetivo maior de chegar à faculdade.

1.2 Novo Enem como instrumento de indução da reestruturação dos currículos do ensino médio

A nova prova do Enem traria a possibilidade concreta do estabelecimento de uma relação positiva entre o ensino médio e o ensino superior, por meio de um debate focado nas diretrizes da prova. Nesse contexto, a proposta do Ministério da Educação é um chamamento. Um chamamento às IFES para que assumam necessário papel, como entidades autônomas, de protagonistas no processo de repensar o ensino médio, discutindo a relação entre conteúdos exigidos para ingresso na educação superior e habilidades que seriam fundamentais, tanto para o desempenho acadêmico futuro, quanto para a formação humana.

Um exame nacional unificado, desenvolvido com base numa concepção de prova focada em habilidades e conteúdos mais relevantes, passaria a ser importante instrumento de política educacional, na medida em que sinalizaria concretamente para o ensino médio orientações curriculares expressas de modo claro, intencional e articulado para cada área de conhecimento.


2. Requisitos da proposta

A proposta é que o Exame Nacional do Ensino Médio – Enem seja utilizado pelas instituições de ensino superior para subsidiar seus processos seletivos. No intuito de viabilizar a utilização de seus resultados para tal finalidade, o Inep/MEC propõe uma reestruturação metodológica do exame, que seria aplicado no mês de outubro e cujos resultados consolidados seriam entregues no início do mês de janeiro.

A nova prova seria estruturada a partir de uma matriz de habilidades e um conjunto de conteúdos associados a elas. A proposta inicial para a matriz de habilidades seria similar às diretrizes que hoje compõem o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos, o Encceja. Assim, o novo exame seria composto por quatro testes, um por cada área do conhecimento, a saber: (i) Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (incluindo redação); (ii) Ciências Humanas e suas Tecnologias; (iii) Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e (iv) Matemática e suas Tecnologias. Esta estrutura aproximaria o exame das Diretrizes Curriculares Nacionais e dos currículos praticados nas escolas, mas sem abandonar o modelo de avaliação centrado nas competências e habilidades. Em relação ao conjunto de conteúdos, este seria construído em parceria com a comunidade acadêmica, neste caso específico, as IFES.

Cada um dos quatro testes seria composto por aproximadamente 50 itens de múltipla escolha, totalizando 200. Metade deles seria administrada em um primeiro dia de aplicação e a outra metade em um segundo, além de uma redação. Essa configuração permitiria ao Enem ter boa precisão na aferição das proficiências.

Um cuidado especial deverá ser tomado quanto à complexidade dos itens que comporão os testes. Tendo por base a finalidade de seleção que o Enem assumirá e uma expectativa de candidatos extremamente preparados, é fundamental que o delineamento dos testes comporte um número razoável de itens de alta complexidade, capaz de discriminar alunos de altíssima proficiência daqueles de alta proficiência. Isso significa que os testes devem ser muito informativos também para a faixa superior da escala.

O cuidado especial com a elaboração de itens e a composição dos testes remete a um planejamento estruturado: (i) itens pautados pela matriz de habilidades e conjunto de conteúdos a elas associados; (ii) itens elaborados e revisados a partir de critérios técnicos e pedagógicos estabelecidos com base empírica e na literatura; e (iii) itens pré-testados, identificando parâmetros estatísticos de discriminação, de dificuldade e de probabilidade de acerto ao acaso.

Quanto à escala, será utilizada a Teoria de Resposta ao Item, sob o modelo logístico de três parâmetros, que permite a comparação de resultados entre diversos ciclos de avaliação. Propõe-se a construção de quatro escalas distintas, uma para cada área do conhecimento. Cada escala será capaz de ordenar os estudantes conforme seu nível de proficiência, sendo possível às IFES estabelecer distintas ponderações ou pontos de corte para seleção de seus candidatos.

Espera-se, assim, que a reestruturação do Enem atenda plenamente à demanda das IFES por um instrumento de alto poder preditivo de desempenho futuro, capaz de diferenciar estudantes em diferentes níveis de proficiência.

O Inep domina a tecnologia de desenvolvimento de testes pela metodologia da TRI, que se caracteriza por medir habilidades de cada indivíduo e pela utilização de itens de prova com diferentes níveis de dificuldade, que permitem identificar o nível de habilidade do alunos a partir do conjunto de itens que ele acerta.

O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – Saeb / Prova Brasil, conduzido pelo Inep, já é desenvolvido a partir da metodologia da Teoria de Resposta ao Item – TRI há mais de dez anos. Na aplicação da prova para o ensino médio, ainda que hoje o Saeb foque as disciplinas de língua portuguesa e matemática, em 1997 a prova já avaliou conteúdos de física, química, biologia, história e geografia. Portanto, a tecnologia em avaliação permite que se construa exame que atenda à demanda das IFES, e o Inep possui absoluto know how para conduzir com sucesso esse processo.

Aliar a capacidade técnica do Inep, no que diz respeito à tecnologia educacional para desenvolvimento de exames, à excelência acadêmico-científica das IFES, é de suma importância nesse momento. Trata-se não apenas de agregar funcionalidade a um exame que já se consolidou no País, mas da oportunidade histórica para exercer um protagonismo na busca pela re-significação do ensino médio.

Reynaldo Fernandes
Presidente Inep/MEC"


E você é a favor ou contra?




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