domingo, 3 de maio de 2009

A maior biblioteca comunitária do mundo



Muitos dos moradores de São José do Paiaiá, distrito de Nova Soure (BA), sequer sabiam o que era uma biblioteca até a inauguração da Biblioteca Comunitária Maria das Neves Prado, em 2002.

Hoje, a instituição tem quase 50 mil livros e seus fundadores a classificam como a maior biblioteca comunitária do mundo instalada em comunidades rurais com até 50 mil habitantes.



A chegada da biblioteca transformou o pequeno povoado que fica a 320 quilômetros de Salvador num oásis em pleno semi-árido. A comunidade, um povoado com população inferior a mil pessoas e apenas uma rua pavimentada, passou até a receber visitantes de cidades próximas.

São 450 usuários por mês na incansável biblioteca, que funciona todos os dias, das 8 às 21h, inclusive domingos e feriados.



A biblioteca comunitária estampa em sua fachada uma epígrafe do dramaturgo alemão Bertold Brecht: “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos...”.

Além de extenso, o acervo tem cerca de 2 mil obras raras. Lá é possível encontrar preciosidades como a primeira edição de “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, a obra completa de João Cabral de Melo Neto – autografada pelo escritor – e a edição de 1732 (em francês) da obra completa de Molière.



Os usuários podem ainda assistir a DVDs ou consultar os 10 mil periódicos disponíveis. A Biblioteca Maria das Neves também diversifica as suas atividades, promovendo cursos e debates sobre meio ambiente, desenvolvimento local, cidadania etc.

A criação da biblioteca é fruto da iniciativa de um ex-morador de São José do Paiaiá, que sonhava em ser médico, embora sua mãe dissesse que aquilo “era apenas sonho de pobre”.



Geraldo Prado, hoje com 67 anos e pesquisador do CNPq, conta como a biblioteca está oferecendo oportunidades que ele nunca teve:

- Seis meninos que estudaram na biblioteca passaram em universidades públicas da Bahia e de Sergipe. Acho que dois deles já estão se formando.



Geraldo seguiu a sina de seus conterrâneos e tantos outros nordestinos: ir para São Paulo em busca de emprego. Chegou lá em 1962, apenas tendo completado o primário.

Foi faxineiro e porteiro num prédio no centro da cidade, "na zona do baixo meretrício". Fez supletivo morando na casa de máquinas do elevador do prédio e precisou escolher a menor concorrência (Curso de Português-Chinês) para passar no vestibular da USP.

Recorda que só conheceu uma biblioteca quando tinha 14 anos, em Salvador, no Colégio Central da Bahia. “Lembro que fiquei parado olhando para tantos livros, porque até então eu só tinha um (Na Sombra do Arco-Íris, de Malba Tahan), presente da professora Maria Ivete Dias (mãe de Ivete Sangalo)”.



Ao longo dos anos, Geraldo acumulou uma coleção de 30 mil livros, mesmo que isso significasse sacrifícios.

- Se passasse por um sebo ou por uma livraria e tivesse um livro que me agradasse, e eu só tivesse o dinheiro da comida ou da passagem do ônibus, preferia ficar com fome e voltar para casa a pé, mas comprava o livro – diz.

Geraldo, como a Asa Branca, voltou para o sertão para compartilhar com pessoas que “não sabiam o que era uma biblioteca” sua paixão pelos livros. O nome da biblioteca é uma homenagem à sua irmã (Sinhá Prado), que o alfabetizou.



Hoje, conduz uma pesquisa sobre bibliotecas comunitárias para o CNPq, com foco no semi-árido. Criou inclusive um blog sobre o assunto.

Entrevistei este empreendedor do conhecimento. Leia aqui e saiba como os livros da biblioteca quase são confundidos com livros roubados do arquivo do Itamaraty.

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